• Audiência de Custódia

  • “O juiz decide vendo a pessoa à sua frente e não com base em um amontoado de papéis dentro dos autos de um processo”

    Ministro Ricardo Lewandowski

    O que é audiência de custódia?

    Quando uma pessoa é presa em flagrante, ela deve ser levada a um juiz para uma audiência idealmente em um prazo de até 24 horas do momento da prisão. Essa é a chamada audiência de custódia, e por mais que o Estado Brasileiro reconhecesse sua relevância, ela só foi implementada em 2015.

     

    A audiência de custódia busca evitar prisões desnecessárias, abusivas ou ilegais, atenuando-se os problemas de superlotação carcerária. Esse é um instituto inovador porque garante a presença física do acusado perante o juiz. Segundo relatório da Rede de Justiça Criminal, antes das audiências, os homens presos provisoriamente chegavam a ficar, em média, 109 dias aguardando o primeiro contato com o juiz, e as mulheres, por sua vez, 135 dias sem nenhuma atenção judicial.

  • Por que audiência de custódia?

    Constituindo uma cifra que gira em torno de 40% da população prisional, os presos provisórios precisam ser levados em conta quando falamos do fenômeno do encarceramento no Brasil (leia mais na página "Encarceramento"). Combater os problemas da massiva entrada de pessoas no sistema prisional brasileiro significa restituir a excepcionalidade da prisão provisória. E é exatamente nesta via que incide a audiência de custódia.

     

    A prisão provisória tem como objetivo assegurar a persecução penal, garantir o andamento processual ou garantir a ordem pública. Mas ela não pode servir como uma punição antecipada, ou seja, como uma “resposta” imediata da justiça. O princípio da presunção da inocência impõe que a punição só se aplique após uma efetiva condenação.

     

    A necessidade de uma audiência logo após o flagrante, com a presença do custodiado frente ao Poder Judiciário, é uma oportunidade de demonstrar a desnecessidade da prisão provisória.

     

    O poder público tem adotado a privação de liberdade como padrão, como se a imposição de prisão fosse capaz de reduzir a violência – mesmo que a instituição seja, ela mesma, um mecanismo de violação

     

     

     

     

     

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    Considerando esses objetivos, percebe-se que a audiência de custódia não existe para avaliar "periculosidade" ou a gravidade do suposto crime, mas tão somente realizar o controle de legalidade da prisão e detectar denúncias de tortura.

     

  • O procedimento

    Nesta audiência, o juiz irá ouvir a pessoa que está sob custódia. O primeiro objetivo da audiência é analisar a legalidade da prisão em flagrante. Ou seja, se houve, por exemplo, violação de domicílio do acusado ou acusada, o flagrante será ilegal. Nestes casos, a prisão deve ser relaxada imediatamente. Percebe-se que a audiência de custódia não existe para avaliar o mérito dos fatos imputados ao custodiado, exceto quando isso é fundamental ao caso. Por exemplo, se o acusado foi detido por porte de drogas para uso pessoal, sua prisão é flagrantemente ilegal, e o juiz não pode deixar de considerar isso sob a justificativa de "não entrar no mérito".


    Caso seja legal, será decidido se a pessoa será libertada - o que deveria ser a regra, já que o caso ainda está muito longe de uma condenação -, se será libertada com imposição de medidas cautelares ou se será mantida presa provisoriamente. Esse é o segundo objetivo da audiência de custódia.

     

    Outro grande objetivo da audiência é a escuta e prosseguimento de denúncias de tortura cometidas na ação policial que origina o flagrante - leia mais na página "prevenção ä tortura". Considerando essa finalidade, a audiência também é uma oportunidade para que defesa e o Ministério Público possam pedir “outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa”. Por exemplo:

     

     

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  • Antecedentes: marco normativo e mobilizações pela audiência de custódia

     

    A apresentação de uma pessoa presa diante de um juiz nas primeiras horas de detenção está prevista nos principais pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Entre as principais normativas internacionais que tratam sobre a temática da prisão provisória e fomentam a implantação de mecanismos de controle de legalidade e de averiguação de possíveis casos de abusos decorrentes do uso da prisão, destacamos o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Convenção contra a tortura da ONU.

     

    Embora tenha se obrigado a realizar as audiências de custódia através dos pactos internacionais, o Estado brasileiro só o fez após anos de intensa mobilização política. Para falar de audiência de custódia, é preciso sinalizar a relevância da ADPF 347. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o “estado de coisas inconstitucional” no sistema carcerário brasileiro nesta arguição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

     

    Em suma, a ADPF 347 pediu o reconhecimento da violação sistemática de direitos fundamentais da população carcerária brasileira. Entre as medidas deferidas pelo colegiado da Suprema Corte esteve a determinação para que juízes e tribunais passassem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, a partir da publicação do respectivo acórdão.

     

    Cabe destacar também o relatório final da Comissão Nacional Da Verdade (CNV),
    que, entre suas recomendações, veiculou a criação da audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro para a garantia da apresentação pessoal do preso
    à autoridade judiciária em até 24 horas após o ato da prisão em flagrante.

     

    Também foi fundamental o posicionamento da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), que ingressou com Reclamação no Supremo Tribunal Federal para pleitear o cumprimento do decidido na ADPF 347 e garantir a implantação e a expansão das audiências de custódia em todas as comarcas do país.

     

     

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  • Logo a seguir, o Conselho Nacional do Ministério Público aprovou a Recomendação nº 28, de 22 de setembro de 2015, orientando os Ministérios Públicos a adotarem as medidas administrativas necessárias a assegurar a efetiva participação dos seus membros nas audiências de custódia. No âmbito do Poder Executivo Federal, o Ministério de Justiça, por meio do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, aderiu à agenda de implementação das Audiências de Custódia, redirecionando especialmente as políticas de alternativas penais e monitoração eletrônica como estratégias para subsidiar a aplicação e acompanhamento de pessoas em situação de medidas cautelares diversas da prisão.

     

    Coube à sociedade civil organizada, representada pelo Instituto de Defesa dos Direitos de Defesa (IDDD), integrante da Rede de Justiça Criminal, exercer o acompanhamento, a análise e o monitoramento do projeto Audiência de Custódia encampado pelo CNJ e disseminado para todas as Unidades da Federação, visando coletar dados e sinalizar seus impactos no Sistema de Justiça Criminal brasileiro.

    Leia mais sobre o relatório de monitoramento do IDDD, além de produções de outras instituições, na seção Biblioteca.

     

     

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